quinta-feira, 22 de outubro de 2015

Waldir Troncoso Peres, um grande exemplo


Revista do Advogado nº 106

Homenagem ao Advogado Criminalista Waldir Troncoso Peres

Programa Jogo da Verdade – TV Cultura (1982)

Filho de Espanhóis emigrados no início do século, Waldir Troncoso Peres nasceu em Vargem Grande do Sul, interior de São Paulo, há 58 anos. Formado em 1946 pela Faculdade de Direito do Largo de São Francisco, fez nesses 36 anos, do Direito Penal, dos Tribunais do Júri e da Criminologia suas opções de vida.

“Advogado Waldir Troncoso Peres, até que ponto pode ser profundo e honesto um jogo da verdade sobre o papel do advogado e a Justiça em nosso país?”
- Um problema visto do ângulo dos advogados não tem nenhuma restrição. Os advogados podem viver na plenitude da sinceridade, dizendo o que vai no seu coração, na sua alma, no seu espírito. E tudo o que eu afirmar aqui, certo ou errado, será o reflexo mais profundo das minhas reflexões recônditas e o eco do que está no meu espírito e no meu coração implantado com verdades definitivas.

“Waldir por ele mesmo”
- Se eu consegui algum resultado e algum sucesso na minha militância profissional no júri e fora do júri, eu atribuo isto exclusivamente a um predicado que eu me atribuo. Eu sou realmente um homem que me tenho na conta de um cidadão piedoso e indulgente, de maneira que eu entro em um processo de sintonia e de identidade com o meu cliente e luto por ele.
Tenho uma devoção e tenho um amor pela liberdade como supremo valor do homem, e tenho uma piedade pelo homem oprimido que me compele ao trabalho com uma tenacidade, com uma pertinácia, com uma estância quase que sagrada.
Tenho procurado ser, na proporção em que o advogado pode sê-lo, o mais sincero possível. Aqueles que acompanharam o desenrolar da minha vida profissional deverão ter verificado que eu procurei sempre, perante o tribunal popular, ou perante o juízo togado, ser o mais sincero e o mais autêntico possível, lutando na possibilidade daquilo que é factível.

“O Advogado Criminal”
- Meu velho e querido mestre, de quem eu tenho assim uma saudade imensa, o professor Soares de Melo quando era presidente do tribunal do júri, já dizia que o advogado criminal é um homem que tem que ter a sensibilidade para saber o nível de resultado que ele pode obter. Eu nunca pretendi na minha vida o absurdo. Eu nunca pleiteei uma absolvição inviável. Eu suponho que eu nunca tive contra mim um resultado de 7 a 0, porque ter um resultado de 7 a 0 implica necessariamente na postulação de uma tese inviável.

“O primeiro Júri”
- O primeiro júri, eu fiz... eu tinha por volta de 20 anos. Eu cursava o terceiro ano da faculdade de Direito. A essa altura, ser advogado criminal já era para mim uma compulsão. Me imantava a advocacia criminal; eu me sentia seduzido por ela; eu nunca tive dúvida vocacional. Então, voltando no tempo eu te digo: o primeiro homem que eu defendi na minha vida foi um trabalhador rural, foi um empregado da fazenda de meu pai. Foi um homem que levantava às 5 horas da manhã naquele tempo em que empregado rural era escravo e que dormia depois de o sol ter posto. Que pelo acaso ocasional das coisas, como diz o poeta português, matou um homem, que foi a júri em Casa Branca, que o júri absolveu, e que depois o tribunal condenou a 15 anos, porque naquele tempo nós vivíamos no regime da carta constitucional de 1937, no regime da ditadura, quando o júri não era soberano.

“O dom da Oratória”
- Eu não acredito que seja imanente a mim. Eu acho que ele é produto, se eu o tiver agora, de um longo adestramento. O grande (...), num trabalho que você deve ter lido, já dizia que o grande drama do advogado que se inicia da vida ou do homem que quer fazer o proselitismo é que ele tem que, primeiro, pensar no que vai dizer e, em segundo lugar, como vai dizer. E ele parte da premissa, num âmbito psicológico, de que duas ideias conscientes não ocupam um espírito humano ao mesmo tempo. Então enquanto o advogado tiver que pensar na substância e no mérito da causa, no que vai dizer e como vai dizer, é claro um déficit e um rebate de produtividade e de rendimento. Então um dos problemas básicos do advogado é claro que é a automatização da linguagem. A automatização da linguagem eu conquistei onde você a conquistou, como advogado da assistência judiciária, defendendo todos os réus pobres durante doze anos no Tribunal do Júri de São Paulo – espetáculo que eu tenho dito e tenho reiterado, instante da minha vida assim como um todo, que me traz uma imensa saudade porque eu me sentia, assim, socialmente muito útil, entre defender aquela pobreza e agora ser alugado pelos milionários eu acho até que dentro de uma dimensão humana eu já fui melhor do eu sou hoje. E foi defendendo esta pobreza com pertinácia dia e noite que talvez eu tenha obtido, eu tenha aprimorado, este automatismo da linguagem que hoje surge sem maior esforço como consequência meramente de um problema de ordem experimental. O “enunciar” e o “experimentar” têm uma relação de causalidade obviamente muito grande; e eu tenho um grande contingente de experiência.

“O direito de defesa”
- Está escrito na Constituição Federal, entre os direitos do homem, e os direitos do homem não são direitos do homem virtuoso; são direitos do homem enquanto suporte moral do direito e de todos os homens, todos os homens têm o direito de defesa. Esta abrangência é absoluta, é total e não tem nenhuma exceção. Ou se não você nega a carta de direitos do homem, ou se não você nega a Constituição da República Federativa do Brasil. Você nega aquilo que é imanente ao homem que é o direito de defesa.


“O chamamento”
- Quando um homem chega na minha idade, evidentemente ele começa a se conferir como cidadão. É claro que todo homem tem que ter um destino moral, se ele tiver um mínimo de consciência. A advocacia criminal para mim foi um chamamento, foi uma imantação, foi alguma, assim, que me seduziu. Eu sempre brinco dizendo que eu tenho, assim, a sensação de que a minha mãe me gerou num escritório de advocacia, que eu comecei a trabalhar muito cedo. Ela parece que foi a minha madrinha foi ela que me acalentou, foi ela que me carregou. Eu digo sempre que eu nasci nas fraldas da Mantiqueira – repito isto reiteradamente, e parece que as brisas das cumeadas me traziam, sim, a voz dos inconfidentes, desta extraordinária Minas Gerais, gritando pela liberdade. Então ela existiu em mim antes de ser alguma coisa que tivesse consistência ética e moral como destino de vida, ela nasceu em mim como um apelo interior.
Eu conversava outro dia com um médico de grande talento e ele me dizia assim: “olha, às vezes eu fico pensando nos modelos espirituais e eu imagino como um homem ficou pendurado uma existência inteira na Basílica de São Pedro, talhando uma imagem, modelando... o que será que ele pensou da vida, dependurado no teto de uma igreja?” Então aquilo deve ter sido para ele um apelo e um chamamento. Agora eu te respondo, quer dizer, ela que primeiro existiu em mim a nível emocional como compulsão, como um apelo, como vocação. Hoje eu aceito no plano ético. E ela me realiza; ela me dá uma contraprestação, ela me gratifica. Ela me dá um sentido de plenitude. Ela povoa o meu espírito. Ela é a minha razão de ser e de existir. Ela me alegra.

“O sacrifício do Advogado Criminal”
- O advogado criminal cavalga um sonho. Ele vive uma irrealidade. Eu tenho a sensação de que a advocacia criminal é, assim, uma abstração. Respondo a este moço, se ele pretender fazer a advocacia criminal ele saiba primeiro, antes de tudo, como premissa, que, o elemento, a força motriz deflagradora da conduta do advogado nunca foi o dinheiro, nem subsidiariamente. Nunca eu tive mais alento para defender um réu pobre do que um réu rico.
Pode fazer a mensuração e diz que eu tenho um testemunho longo da vida e todos dirão a mesma coisa. Não é o alimento espiritual do advogado criminal o dinheiro. O dinheiro nos dá um pouco de conforto, o direito de educar o filho, mas eu digo mais uma coisa: os homens menos ambiciosos a nível patrimonial são os advogados criminais.

“Atividade política e cargos públicos”
- E eu fui chamado muitas vezes... à atividade política. Fui convidado muitas vezes para a atividade política. Recusei-as sempre. Nunca me seduziu a política, de maneira em que quando me falam em cargo de secretário, a priori, eu já rejeito in limine, porque isto aqui é negar a minha vida. Eu já disse e repito que o homem que eu idolatro é o Dr. Dante Delmanto. Outro dia o vi caminhando pelas ruas se dirigindo para o seu escritório como faz todos os dias aos 75 anos, com vigor, com entusiasmo de alma extraordinária. E se o Senhor quiser me dar um bom fim de vida, que me dê uma vida assim; que me permita, até o fim da minha existência, ser advogado, exclusivamente advogado, e não secretário, até porque eu não gosto de ser secretário; “secretário” já é uma palavra que impões para mim uma subordinação que não é compatível com a minha forma de ser.

“A preparação para a defesa”
- Eu acho que cada um trabalha de uma maneira e de uma forma. Eu, depois de estudar o processo, depois de absorver a prova, depois de conhecê-lo na véspera do júri, eu prefiro, com franqueza, é pegar um livro de literatura um pouco mais ameno, para eu sair um pouco desta vida do “terra terra”, para eu ter mais capacidade ideativa, porque a lógica comportamental não é uma lógica formal e dedutiva. Então é preciso que você se entranhe e se inspire dentro de uma realidade humana. Eu, às vezes, brincando, digo talvez alguma coisa de que eu esteja convencido, saber direito não é cultura; direito é um instrumento de trabalho. O meu patrício Ortega y Gasset, com muita propriedade, no meu entendimento, dizia o seguinte: “um matemático, um físico, um químico e um jurista conhecem tanto da alma humana quanto um barbeiro suburbano”. Então conhecer o direito não é conhecer a alma humana, de maneira em que para poder transmitir o que seja um homem na sua falibilidade, na sua contingência, na sua fraqueza, e eu procuro, assim, uma inspiração literária – gosto muito de ler o Tagore, gosto muito de ler os poetas, gosto muito de entrar num processo de abstração, para eu não ficar neste “terra terra” porque o comportamento não está a nível desta mecânica primária, que é o fluxo do nosso pensamento cotidiano. Então eu procuro efetivamente conviver com os gênios para buscar com eles um pouco de inspiração.

“A despedida”
- Quero te dizer que eu vivi toda a minha infância na estrutura rural, no convívio com pessoas humildes. Quero te dizer que eu ainda trago dentro de mim, talvez certamente mercê de Deus, esta humildade de dizer a verdade e de viver com um pouco de autenticidade. Eu não vim aqui fraudar, não vim engodar, não vim mentir. Vim dizer o que eu penso, certo ou errado, mas autenticamente dizer o que vocês me rogam nesse programa. Porque se eu não viesse para dizer a verdade, eu não viria. Eu não atenderia ao seu chamamento. Eu me senti, assim, tão honrado de vir aqui num programa de ordem cultural como o seu, um programa que tem tanta divulgação, um humilde advogado que lutou pela vida, vindo do interior do estado para a capital, cujo único mérito foi a devoção à profissão que ele amou, que ele quis, pela qual ele teve, assim, um entusiasmo muito grande, de maneira em que você me propiciou uma noite, que apesar da minha humildade me envaidece muito e eu posso dizer, sinceramente, que eu falei a verdade a respeito do que eu penso, das coisas da vida, do mundo e da profissão.


Waldir Troncoso Peres
30/10/1923
12/04/2009

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