terça-feira, 6 de outubro de 2015

PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA



O princípio da insignificância cunhado pela primeira vez por Claus Roxin na década de 60 (BITTENCOURT, 2012, p. 55), traduz uma faceta da própria tipicidade penal, na qual exige-se uma ofensa de alguma gravidade aos bens jurídicos protegidos, pois nem sempre qualquer ofensa a esses bens ou interesses é suficiente para configurar o crime. De acordo com esse princípio é mister uma efetiva proporcionalidade entre a gravidade da conduta que se se pretende punir e a severidade da intervenção estatal, pois, não raro, condutas se amoldam perfeitamente ao tipo penal, cumprindo seu papel formal, porém, quando analisadas sob o prisma material, carecem de relevância, devendo, de plano, a tipicidade penal ser afastada.
  

Assim, a partir da interpretação do mencionado princípio, é de fácil percepção que ele procura estar em harmonia com os postulados da fragmentariedade e da intervenção mínima do Estado em matéria Penal, de modo que assume grande relevo na conjuntura dogmática penal, pois para além do positivismo:
Em nível jurisdicional, o princípio condiciona o juiz para além da obrigatória verificação da constitucionalidade do delito fabricado pelo legislador, conforme será verificado adiante, a descriminalizar comportamentos que, apesar de formalmente típicos, concretamente são inofensivos ao bem jurídico tutelado. Na irradiação desse comando, mais do que na intervenção mínima, esta voltada com ênfase para a intolerabilidade da conduta, a ofensividade tem como corolário o critério norteador interpretativo da insignificância, fundamental, por vezes, para aferição da tipicidade material. (LIMA, 2012, p.166 e 167).
           

Nessa linha, é em nível jurisdicional que o princípio vem ganhando força e forma, passando por interpretações desde os juízes de primeiro grau até chegar ao Egrégio Supremo Tribunal Federal, no qual traçou-se verdadeiro marco jurisprudencial com o Habeas Corpus 84.412, de São Paulo, julgado em 19 de outubro de 2004, com a relatoria do Ministro Celso de Mello, no qual foram expostos de forma analítica os fundamentos e os vetores para a aplicação do princípio da insignificância no crime de furto, cuja discussão é mais pulsante que em outros crimes. Por sua proeminência, transcreve-se a ementa:
PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA - IDENTIFICAÇÃO DOS VETORES CUJA PRESENÇA LEGITIMA O RECONHECIMENTO DESSE POSTULADO DE POLÍTICA CRIMINAL -CONSEQÜENTE DESCARACTERIZAÇÃO DA TIPICIDADE PENAL EM SEU ASPECTO MATERIAL - DELITO DE FURTO - CONDENAÇÃO IMPOSTA A JOVEM DESEMPREGADO, COM APENAS 19 ANOS DE IDADE - "RES FURTIVA" NO VALOR DE R$ 25,00 (EQUIVALENTE A 9,61% DO SALÁRIO MÍNIMO ATUALMENTE EM VIGOR) - DOUTRINA - CONSIDERAÇÕES EM TORNO DA JURISPRUDÊNCIA DO STF - PEDIDO DEFERIDO. O PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA QUALIFICA-SE COMO FATOR DE DESCARACTERIZAÇÃO MATERIAL DA TIPICIDADE PENAL. - O princípio da insignificância - que deve ser analisado em conexão com os postulados da fragmentariedade e da intervenção mínima do Estado em matéria penal - tem o sentido de excluir ou de afastar a própria tipicidade penal, examinada na perspectiva de seu caráter material. Doutrina. Tal postulado - que considera necessária, na aferição do relevo material da tipicidade penal, a presença de certos vetores, tais como (a) a mínima ofensividade da conduta do agente, (b) a nenhuma periculosidade social da ação, (c) o reduzidíssimo grau de reprovabilidade do comportamento e (d) a inexpressividade da lesão jurídica provocada - apoiou-se, em seu processo de formulação teórica, no reconhecimento de que o caráter subsidiário do sistema penal reclama e impõe, em função dos próprios objetivos por ele visados, a intervenção mínima do Poder Público. O POSTULADO DA INSIGNIFICÂNCIA E A FUNÇÃO DO DIREITO PENAL: "DE MINIMIS, NON CURAT PRAETOR". - O sistema jurídico há de considerar a relevantíssima circunstância de que a privação da liberdade e a restrição de direitos do indivíduo somente se justificam quando estritamente necessárias à própria proteção das pessoas, da sociedade e de outros bens jurídicos que lhes sejam essenciais, notadamente naqueles casos em que os valores penalmente tutelados se exponham a dano, efetivo ou potencial, impregnado de significativa lesividade. O direito penal não se deve ocupar de condutas que produzam resultado, cujo desvalor - por não importar em lesão significativa a bens jurídicos relevantes - não represente, por isso mesmo, prejuízo importante, seja ao titular do bem jurídico tutelado, seja à integridade da própria ordem social.



Como se percebe, além do destaque do princípio, foram assentados 4 (quatro) vetores para a sua aplicação, quais sejam: (a) a mínima ofensividade da conduta do agente; (b) nenhuma periculosidade social da ação; (c) o reduzidíssimo grau de reprovabilidade do comportamento; e (d) a inexpressividade da lesão jurídica provocada. Entretanto, diante dos inúmeros casos que chegam àquela Corte Suprema, os quais, invariavelmente, trazem circunstâncias diferentes, acrescentou-se mais dois requisitos, quais sejam: o agente não pode ser reincidente ou contumaz na prática da conduta e o crime não pode se tratar de furto qualificado.
          

Dessa forma, atualmente, apesar de discussão recente sobre o princípio da insignificância no julgamento conjunto de Habeas Corpus (HCs 123734, 123533 e 123108) no âmbito do Supremo Tribunal Federal, tal princípio ainda se encontra com vetores jurisprudencialmente traçados e sua aplicação continua a ser aferida caso a caso pelo juiz de primeira instância, sem que haja nenhuma imposição normativa de aplicação, senão interpretativa-jurisprudencial. 

Referências


BITTENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de Direito Penal: parte geral, 1.17 ed. rev., ampl. e atual. São Paulo: Saraiva, 2012.

LIMA, Alberto Jorge C. de  Barro. Direito penal constitucional: a imposição dos princípios constitucionais penais. São Paulo: Saraiva, 2012.
 

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