O princípio da insignificância cunhado pela
primeira vez por Claus Roxin na década de 60 (BITTENCOURT, 2012, p. 55), traduz
uma faceta da própria tipicidade penal, na qual exige-se uma ofensa de alguma
gravidade aos bens jurídicos protegidos, pois nem sempre qualquer ofensa a
esses bens ou interesses é suficiente para configurar o crime. De acordo com
esse princípio é mister uma efetiva proporcionalidade entre a gravidade da
conduta que se se pretende punir e a severidade da intervenção estatal, pois,
não raro, condutas se amoldam perfeitamente ao tipo penal, cumprindo seu papel
formal, porém, quando analisadas sob o prisma material, carecem de relevância,
devendo, de plano, a tipicidade penal ser afastada.
Assim, a partir da interpretação do
mencionado princípio, é de fácil percepção que ele procura estar em harmonia
com os postulados da fragmentariedade e da intervenção mínima do Estado em
matéria Penal, de modo que assume grande relevo na conjuntura dogmática penal,
pois para além do positivismo:
Em nível jurisdicional, o princípio condiciona o juiz para além da obrigatória verificação da
constitucionalidade do delito fabricado pelo legislador, conforme será
verificado adiante, a descriminalizar comportamentos que, apesar de formalmente típicos, concretamente são inofensivos ao bem
jurídico tutelado. Na irradiação desse comando, mais do que na
intervenção mínima, esta voltada com ênfase para a intolerabilidade da conduta,
a ofensividade tem como corolário o critério norteador interpretativo da
insignificância, fundamental, por vezes, para aferição da tipicidade material. (LIMA, 2012, p.166 e
167).
Nessa linha, é em nível
jurisdicional que o princípio vem ganhando força e forma, passando por
interpretações desde os juízes de primeiro grau até chegar ao Egrégio Supremo
Tribunal Federal, no qual traçou-se verdadeiro marco jurisprudencial com o
Habeas Corpus 84.412, de São Paulo, julgado em 19 de outubro de 2004, com a relatoria
do Ministro Celso de Mello, no qual foram expostos de forma analítica os
fundamentos e os vetores para a aplicação do princípio da insignificância no
crime de furto, cuja discussão é mais pulsante que em outros crimes. Por sua
proeminência, transcreve-se a ementa:
PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA - IDENTIFICAÇÃO DOS
VETORES CUJA PRESENÇA LEGITIMA O RECONHECIMENTO DESSE POSTULADO DE POLÍTICA
CRIMINAL -CONSEQÜENTE DESCARACTERIZAÇÃO DA TIPICIDADE PENAL EM SEU ASPECTO
MATERIAL - DELITO DE FURTO - CONDENAÇÃO IMPOSTA A JOVEM DESEMPREGADO, COM
APENAS 19 ANOS DE IDADE - "RES FURTIVA" NO VALOR DE R$ 25,00
(EQUIVALENTE A 9,61% DO SALÁRIO MÍNIMO ATUALMENTE EM VIGOR) - DOUTRINA -
CONSIDERAÇÕES EM TORNO DA JURISPRUDÊNCIA DO STF - PEDIDO DEFERIDO. O PRINCÍPIO
DA INSIGNIFICÂNCIA QUALIFICA-SE COMO FATOR DE DESCARACTERIZAÇÃO MATERIAL DA
TIPICIDADE PENAL. - O princípio da insignificância - que deve ser analisado em
conexão com os postulados da fragmentariedade e da intervenção mínima do Estado
em matéria penal - tem o sentido de excluir ou de afastar a própria tipicidade
penal, examinada na perspectiva de seu caráter material. Doutrina. Tal
postulado - que considera necessária, na aferição do relevo material da
tipicidade penal, a presença de certos vetores, tais como (a) a mínima
ofensividade da conduta do agente, (b) a nenhuma periculosidade social da ação,
(c) o reduzidíssimo grau de reprovabilidade do comportamento e (d) a
inexpressividade da lesão jurídica provocada - apoiou-se, em seu processo de
formulação teórica, no reconhecimento de que o caráter subsidiário do sistema
penal reclama e impõe, em função dos próprios objetivos por ele visados, a
intervenção mínima do Poder Público. O POSTULADO DA INSIGNIFICÂNCIA E A FUNÇÃO
DO DIREITO PENAL: "DE MINIMIS, NON CURAT PRAETOR". - O sistema
jurídico há de considerar a relevantíssima circunstância de que a privação da
liberdade e a restrição de direitos do indivíduo somente se justificam quando
estritamente necessárias à própria proteção das pessoas, da sociedade e de
outros bens jurídicos que lhes sejam essenciais, notadamente naqueles casos em
que os valores penalmente tutelados se exponham a dano, efetivo ou potencial,
impregnado de significativa lesividade. O direito penal não se deve ocupar de
condutas que produzam resultado, cujo desvalor - por não importar em lesão
significativa a bens jurídicos relevantes - não represente, por isso mesmo,
prejuízo importante, seja ao titular do bem jurídico tutelado, seja à
integridade da própria ordem social.
Como se percebe, além do destaque do
princípio, foram assentados 4 (quatro) vetores para a sua aplicação, quais
sejam: (a) a mínima ofensividade da conduta do agente; (b) nenhuma
periculosidade social da ação; (c) o reduzidíssimo grau de reprovabilidade do
comportamento; e (d) a inexpressividade da lesão jurídica provocada.
Entretanto, diante dos inúmeros casos que chegam àquela Corte Suprema, os
quais, invariavelmente, trazem circunstâncias diferentes, acrescentou-se mais
dois requisitos, quais sejam: o agente não pode ser reincidente ou contumaz na
prática da conduta e o crime não pode se tratar de furto qualificado.
Dessa forma, atualmente, apesar de
discussão recente sobre o princípio da insignificância no
julgamento conjunto de Habeas Corpus (HCs 123734, 123533 e 123108) no
âmbito do Supremo Tribunal Federal, tal princípio ainda se encontra com vetores
jurisprudencialmente traçados e sua aplicação continua a ser aferida caso a
caso pelo juiz de primeira instância, sem que haja nenhuma imposição normativa
de aplicação, senão interpretativa-jurisprudencial.
Referências
BITTENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de Direito Penal: parte
geral, 1.17 ed. rev., ampl. e atual. São Paulo: Saraiva, 2012.
LIMA, Alberto Jorge C. de
Barro. Direito penal constitucional: a imposição dos princípios
constitucionais penais. São Paulo: Saraiva, 2012.
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