Numa praça, o padeiro:
Acorda José!
O dia já raiou, levanta-te!
Esse banco não mais te pertence, junta-te aos teus
Coloca esses pés descalços nesse chão frio
Guarda o cobertor para a próxima noite fria que está por vir
Esconde as últimas pedras para que a polícia não te prenda.
Não José! Não tenho dinheiro!
Tenho um pão, alimenta-te!
José! Não! Larga essa pedra de crack!
Lá vai José, misturando o real e o imaginário.
José, quem é essa Maria de quem tanto falas?
Ela te deixou, sozinho, assim, na rua?
Poxa, procurou consolo nos braços errados, uma pedra que só
te sucumbiu.
Ah, José!
Essa pedra tirou teu rosto e tua história, transformou-te
num zumbi.
Ah, José! Tu estás sem rosto!
Passam por cima de você como se não estivesse ali.
Cruzam contigo na rua e só pensam no quão miserável e
perigoso és.
Ah, José! Ninguém te tratará!
O governo não gosta de ti, José!
O povo não te trata como um semelhante.
És um animal, José!
Ah, José! Teu fim é triste!
O padeiro dormiu.
No outro dia não viu José ali, no banco, dormindo.
Pergunta: “Cadê José?”
Respondem: “foi preso ontem”
Um de seus “amigos de pedra” contou que José fora preso com
uma pedra de crack e quinze reais.
Ele não soube, entorpecido que estava, explicar como
conseguira míseros quinze reais licitamente, o suficiente para que o
enquadrassem como traficante.
Era muito dinheiro para um morador de rua.
Quinze reais. José, sem rosto, sem história, um animal, é
preso por ser um incômodo e porque tinha quinze reais.
Adeus, José.
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