A Administração Pública compreende, em sua acepção lata, a atividade desempenhada pelo Estado visando à consecução de seus fins. Engloba, dessa forma, tanto os atos praticados na esfera do Poder Executivo, quanto do Legislativo, Judiciário, Ministério Público e entes da Administração Pública indireta (autarquias, fundações, empresas públicas e sociedades de economia mista).
Nesse quadro,
atentou o legislador penal, reservar todo o Título XI do Código Penal, para as
infrações que atentam contra o correto funcionamento do aparato estatal, seja
no âmbito das relações do Estado com o indivíduo, seja nas relações do ente
público com os seus servidores. Dentre esses crimes contra a Administração
Pública, destacam-se dois, quais sejam, a corrupção ativa e a corrupção
passiva, os quais, muitas vezes, pela constante divulgação na mídia, são
confundidos. Busca-se, portanto, nesses breves comentários, diferenciá-los.
Quanto à
corrupção passiva, tem-se que é um crime praticado contra a administração
pública, tipificado no artigo 317 do Código Penal, tendo como peculiaridade que
somente o funcionário público pode ser sujeito ativo. O tipo penal em tela
dispõe o seguinte: “Solicitar ou receber,
para si ou para outrem, direta ou indiretamente, ainda
que fora da
função, ou antes
de assumi-la, mas em razão dela, vantagem indevida, ou aceitar promessa
de tal vantagem”.
Dessa forma, as
ações nucleares do tipo são: a) solicitar
(pedir, requerer), receber (obter,
entrar na posse ou detenção) e aceitar
(concordar, anuir). Na primeira conduta, a iniciativa é do funcionário, ao
passo que nas outras, do particular, o qual figura como corruptor e responde
por corrupção ativa. A solicitação da vantagem indevida deve guardar relação
com a função pública, em que pese não precisar, o autor, estar em exercício.
Haverá o delito, portanto, ainda que o agente se encontre licenciado, em férias
ou não tenha assumido o cargo. É fundamental, porém, que o sujeito ativo possa
ser considerado funcionário público à luz do artigo 327 do Código Penal.
O tipo penal
visa que o funcionário público sofra retaliação e não chegue a se beneficiar
indevidamente pela prática de atos de ofício, de modo que se objetiva a tutela
do normal funcionamento da administração, figurando como sujeito passivo do
crime, o Estado. No que se refere ao momento consumativo, este corresponde ao
da solicitação, aceitação ou recebimento da vantagem indevida. A tentativa é,
de regra, inadmissível: ou o sujeito recebe ou aceita a vantagem, ou não a
recebe ou a recusa.
No que toca à
vantagem indevida, em que pese a discussão acerca de sua natureza, filiamo-nos
à corrente de Magalhães Noronha[1] no sentido de que a
vantagem pode ser de qualquer natureza: moral, material ou patrimonial, mesmo
que possa ser obtida indiretamente. É a corrente majoritária.
Assim, a título
de exemplo do crime de corrupção passiva, podemos citar o seguinte caso: o
cidadão para em uma blitz, na qual um dos policiais aborda-o e constata que um dos
faróis está queimado, de modo que solicita uma ajudinha para não lavrar a
multa, solicita algum dinheiro em troca. Aqui, como se vê, perfectibilizou-se o
crime de corrupção passiva.
Quanto à
corrupção ativa, tem-se, também, que é um crime praticado contra a
administração pública, todavia por particulares, tipificado no artigo 333 do
Código Penal, com a seguinte descrição: “Oferecer
ou prometer vantagem indevida a funcionário público, para determiná-lo”. Ao
contrário do crime anterior destrinchado, o sujeito ativo pode ser qualquer
pessoa, independentemente de condição ou qualidade pessoal. Ressalte-se que
nada impede que o sujeito ativo seja funcionário público, desde que não aja
como tal, no exercício de suas funções ou em razão delas.[2]
No que respeita
aos verbos que descreve as ações típicas, traz-se à baila (a) oferecer e (b) prometer. O tipo é misto alternativo. Quanto ao primeiro
consubstancia-se em propor ou sugerir alguma dádiva, já quanto ao segundo,
consubstancia-se em fazer promessa ou declarar que dará uma recompensa. Aqui,
também, o objeto material é a concessão de alguma vantagem indevida pelo
particular ao servidor público, para que este pratique, omita ou retarde ato de
ofício, vantagem esta que pode ser, como dito, moral, material ou patrimonial.
A título de
exemplo de corrupção passiva, podemos fazer referência à pessoa que é
surpreendida, por policiais, conduzindo veículo sem habilitação e, no intuito
de furtar-se da responsabilidade administrativa, oferece àqueles alguma vantagem
indevida para não autuá-la. Aqui, de modo simples, configura-se o crime de
corrupção ativa.
Nesse quadro,
importa destacar que o ato de presentear funcionários com gratificações, por
vezes como forma de agradecimento, caracteriza fato penalmente atípico. O
Código Penal pune a outorga de vantagem para a realização de ato futuro, e não
a concessão de dádivas como forma de gratidão por ato passado.
Avulta, aqui,
redobrada atenção, porquanto em tais situações a obtenção de ganho, mesmo que
subsequente ao ato, pode significar o cumprimento de uma promessa anterior, a
confirmar a prática de corrupção, consumada, portanto, no momento em que a
promessa fora feita. Quando a vantagem precede ao ato, existe a corrupção antecedente; quando lhe é
posterior, corrupção subsequente.
Como se vê,
diante das características expostas, principalmente em relação aos sujeitos
ativos de cada crime analisado, percebe-se nuanças diferentes, apesar da
semelhança do objeto material. Assim, esperamos ter traçado com clareza as
diferenças entre os crimes de corrupção passiva e corrupção ativa, de modo a
extirpar confusões incentivadas pelo senso comum.
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