domingo, 30 de agosto de 2015

Higienização ética das empresas, prevenir é fundamental – Lei Anticorrupção e Compliance

Assunto em voga no mundo corporativo e nos cursos de administração, é a figura do compliance, seja pelas inúmeras citações do termo na famosa Ação Penal 470 (Mensalão) seja pela relevância que assumiu com a Lei 12.966/2013 (Lei Anticorrupção), de modo que seus contornos assumem  grande importância para o mundo jurídico-político do Brasil.


A título pedagógico, o termo compliance  tem origem do verbo inglês to comply, que significa agir de acordo com uma regra, instrução interna, um comando ou um pedido, isto é, atender ao compliance é estar em conformidade com leis e regulamentos externos e internos. De modo prático: compliance é um conjunto de ferramentas de gestão corporativa, que envolvem o desenvolvimento de processos internos de controle e mitigação de riscos.

Assim, com a entrada em vigor no dia 29 de janeiro de 2014 da Lei Anticorrupção, o compliance tornou-se uma prioridade para as empresas brasileiras, cujo objetivo principal é a efetivação de mecanismos que combatam ou simplesmente inibam a corrupção, fraudes a licitação e outras práticas lesivas à administração pública,  de forma que todas as empresas brasileiras e seus dirigentes estão sujeitos a nefastas consequências nas esferas civil e administrativa, caso não desenvolvam programas e políticas que regulem de maneira detalhada e dinâmica os diversos setores da empresa.

Porém, poder-se-ia perguntar: mas a corrupção, antes da Lei Anticorrupção, já não era punida? 

Na verdade, antes da promulgação da referida lei, a reponsabilidade se limitava a quem participasse das práticas lesivas à administração pública, figurando como autor ou mandante, afastando-se desta incidência a pessoa jurídica, ou seja, responsabilizavam-se, apenas, as pessoas físicas envolvidas nos atos, excluindo-se as pessoas jurídicas.

Atualmente, o cenário é outro. As pessoas jurídicas serão responsabilizadas objetivamente nas esferas civil e administrativa, mesmo que não tenham autorizado o ato ilícito ou que o ato não seja de conhecimento de seus dirigentes. É a responsabilidade objetiva da empresa envolvida pelas práticas ímprobas ou fraudulentas.

À guisa de punição, a Lei Anticorrupção traz sanções administrativas e judiciais, como a multa de 0,1 % a 20% sobre o faturamento bruto, nunca inferior ao valor da vantagem irregular obtida, ou, na impossibilidade dessa mensuração, no valor de até 60 milhões de reais.  Também é possível a dissolução da empresa, o perdimento de seus bens, a suspensão das atividades, além de outras penas já previstas na Lei de Improbidade Administrativa.

Ademais, vale destacar que a mencionada lei ainda instituiu o Cadastro Nacional de Empresas Punidas (CNEP), no qual pode-se consultar as informações sobre as instituições afetadas pelas sanções legais e também viabilizou as publicações da condenação em veículos de comunicação da área da prática da infração e atuação da pessoa jurídica, constituindo-se tais exposições em uma verdadeira punição deontológica pública.

E o compliance pode ajudar na prevenção e atenuação das infrações corruptivas? Logicamente, sim.

É que a Lei Anticorrupção prevê a atenuação da sanção se a empresa demonstrar a existência de controles internos, códigos de ética, mecanismos para evitar atos de improbidade, auditorias e mecanismos de incentivo a denúncias, de modo que esses instrumentos administrativos e controladores, estimulam ou fortalecem as políticas de compliance a evitar o comprometimento da empresa com práticas ilícitas.

O primordial é atuar preventivamente, instituindo uma verdadeira “cultura do compliance” na empresa, pois não basta a simples existência de normas internas e códigos de conduta, é necessário que cada pessoa dentro da organização empresarial tome decisões comerciais éticas e garanta que suas ações sejam congruentes com a lei e políticas desenvolvidas para evitar a incidência da Lei Anticorrupção. A cultura de compliance, também, significa comunicar preocupações e se certificar de que comportamentos suspeitos não avançam sem contestação. Com efeito, todos precisam respeitar o compliance e incentivar os outros a fazer o mesmo. 

Em termos práticos, um razoável programa de compliance deve ter, pelo menos: 1) estrutura definida a partir de um mapeamento de riscos; 2) códigos de conduta; 3) treinamentos; 4) equipe com capacidade e independência para monitoramento; 5) comprometimento do alto escalão empresarial; 6) avaliações de eficácia; 7) canal de denúncias; e 8) punições em caso de descumprimento.


Como se vê, pelos riscos gerados pela Lei Anticorrupção, é necessário que as empresas invistam em programas de compliance, pois essas passaram a figurar ativamente no combate a práticas ilícitas, de modo que a adequação das empresas a este novo cenário em que há uma profusão de leis que combatem a corrupção é muito mais do que prevenção e sim verdadeira incorporação de práticas éticas que incidirão positivamente na opinião pública, precipuamente pela extirpação das relações espúrias entre o ente privado e o gestor público, que tanto causam indignação social.

sábado, 22 de agosto de 2015

Recolhimento domiciliar X Prisão (cautelar) domiciliar




Não sem razão, devido a semelhança semântica, confunde-se a medida cautelar consistente no recolhimento domiciliar contida no art. 319, V, do CPP e a prisão (cautelar) domiciliar contida nos artigos 317  e 318 do CPP, porém, há diferenças cruciais que devem ser conhecidas para não se cair em uma imprecisão técnica. Assim, inicialmente, destrinchar-se-á cada uma dessas medidas, para, após, chegarmos a uma clara diferença tanto conceitual como de razões de utilização.   

A medida cautelar elencada no inciso V do artigo 319 do Código de Processo Penal, é uma medida que pode servir a diferentes fins, desde minimizar o risco de fuga, tutelar a prova e até mesmo escopo metacautelares, como a prevenção da prática de infrações penais – futurologia, logo censurável[1].

Trata-se de uma medida cautelar que, em uma interpretação extensiva, além do fumus comissi delicti e periculum libertatis, pressupõe apenas dois requisitos básicos, a saber: 1) residência fixa; e 2) atividade laboral fixa. Contudo, não se pode olvidar que alguns juízes, em uma interpretação restritiva, não deferem a medida em tela pelo fato do acautelado exercer atividade à noite, todavia, a nosso aviso, deve-se buscar o espírito da norma, de modo que se a finalidade da medida é assegurar a permanência do indivíduo em sua residência no período de inatividade, pouco importa o horário de sua jornada de trabalho.

Em suma: a medida cautelar de recolhimento domiciliar é fundada no senso de responsabilidade e autodisciplina do imputado, atuando como medida cautelar alternativa à prisão preventiva, devendo ser deferida quando presentes o requisito e fundamento das medidas cautelares (fumus comissi delicti e periculum libertatis) e os requisitos básicos acima mencionados.

Já, por outro lado, a prisão domiciliar prevista nos artigos 317 e 318 do Código de Processo Penal, decorre de motivos pessoais do agente, de natureza humanitária, contemplando uma forma de cumprimento da prisão preventiva. Consiste, enfim, no recolhimento do indiciado ou acusado em sua residência, de onde apenas poderá se ausentar com prévia autorização judicial.

Como se vê,  a prisão domiciliar, portanto, não se inclui como alternativa  à prisão preventiva, tal como ocorre com as medidas previstas no  artigo 319 do CPP, devendo ela ser aplicada como substitutivo (veja-se: substitutivo, não alternativo) da prisão preventiva[2] e desde que esteja presente alguma situação fática arrolada no artigo 318 do CPP, a saber: 1) maior de oitenta anos; 2)  extremamente debilitado por motivo e doença grave; 3) imprescindível aos cuidados especiais de pessoa menor de 6 (seis) anos de idade ou com deficiência; e 4) gestante a partir do 7º mês de gravidez ou sendo esta de alto risco.

À guisa de demonstração da existência da situação fática arrolada no mencionado artigo 318, todas essas situações demandarão prova cabal e idônea, geralmente por meio de prova documental e perícia médica, com o fito de demonstrar que as circunstâncias pessoais do agente demonstram a necessidade de sua presença na residência.

Finalmente, cumpre trazer à tona as diferenças entre medida constante no artigo 319,  inciso V do CPP (recolhimento domiciliar) e a prisão cautelar domiciliar, as quais, em síntese, são as seguintes: a) enquanto a prisão domiciliar não possui existência própria como prisão cautelar, apenas substituindo a prisão preventiva nas hipóteses estabelecidas em lei, o recolhimento domiciliar do artigo 319, V subsiste como uma medida cautelar que pode ser aplicada autonomamente; b) de modo prático, na prisão cautelar domiciliar há uma prisão preventiva decretada, que, não obstante, determina o seu cumprimento em forma de prisão domiciliar, já no caso do recolhimento domiciliar, ocorre o inverso, pois o que o juiz impõe é uma medida cautelar diversa da prisão; c) a prisão domiciliar substitutiva da prisão preventiva possui conotação de tempo integral, enquanto na medida cautelar de recolhimento domiciliar, contempla apenas o período noturno e dias de folga; e d) enquanto a prisão domiciliar leva em conta situações particulares e pessoais, o recolhimento domiciliar atenta-se apenas para situações, em tese, cautelares.


[1] LOPES JR, Aury. Direito processual penal. São Paulo: Saraiva, 2014. p.885.
[2] OLIVEIRA, Eugênio Pacelli de. Curso de processo penal. 18.ed. rev. e ampl. São Paulo: Atlas, 2014. p. 571.

quarta-feira, 19 de agosto de 2015

ADVOGADO CRIMINALISTA NÃO É ATOR!



Acredito que para aqueles que escolheram militar na advocacia criminal, escolheram uma missão, tornando a decisão árdua, porém deveras gratificante e dignificante. Há de se ter vocação, talento e predestinação. Há de se ter uma constante indignação perante as injustiças e a incessante vontade de falar quando a liberdade for ilegalmente violada.

A postura altiva e aguerrida do advogado criminalista muitas vezes é mal vista, principalmente quando se trata de advogados voluntários, ou seja, aqueles que se inscrevem nas varas criminais que carecem de defensores públicos. Os juízes muitas vezes veem naquele advogado voluntário a figura de um ator, o qual simplesmente fará parte de um mero jogo de cena para condenar o réu, e quando o advogado criminal voluntário foge dessa regra, fazendo perguntas às testemunhas, pleiteando benefícios ao acusado e agindo congruentemente à missão que lhe foi dada, o espanto é geral, pois como ousa esse advogado voluntário atrapalhar o espetáculo, bagunçar a cena e sujar o palco.

Em que pese a remuneração além de incerta ser inferior àquela recebida no âmbito privado, a missão do advogado é a mesma: defender intransigentemente os direitos do réu.  Ora, independentemente da forma de ingresso no caso criminal, o advogado criminalista tem a função e obrigação de analisar as provas diligentemente, além de verificar se o processo  prima pela regularidade perfeita, pois disso depende que a justiça seja feita. O advogado criminalista é defensor de direitos e liberdades, não somos atores de espetáculos.

Por derradeiro, lembremos de um dos maiores advogados criminalistas que esse Brasil já teve, O Dr. Waldir Troncoso Peres, o qual sempre apregoava: “ o direito de defesa é imanente ao homem, não apenas ao homem virtuoso, mas a qualquer homem”.